domingo, junho 20, 2010

POEMA À BOCA FECHADA

Não direi:

Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago (16/11/1922 - 18/06/2010)

Um comentário:

MÚSICA F. C. ! A VOZ DAS ARQUIBANCADAS. disse...

Agora não, mas em pouco dias levarei este poema para o BLOG Música do GOL.

Nem só de GOL e Música vive um BLOG, tem que ter poesia.

Até a próxima

Leonardo